28/07/2015

O Ser-se, Júnia Azevedo

"Preciso chegar aonde jamais alguém jamais esteve dentro de mim. Ao lugar onde sou original, onde sou essência, onde sou nascente. Quero chegar aonde broto. Onde brota o meu imo? Onde começo? Onde principio? Onde sou âmago? Onde sou vazio?"


"Uma mulher tentando se redescobrir" é uma frase que cairia bem aqui e explicaria muito de O Ser-se (encontre aqui), de Júnia Azevedo, mas não só isso. Após um "acidente", a protagonista X. descobre seu amado tendo uma relação com outra mulher e, através de terapia e de sua caderneta de anotações, inicia uma trajetória com objetivo de se reinventar. Ela viaja para Lisboa, se encontra, se perde, busca novos ares através de uma prosa fortemente poética.

No livro lançado em 2014 pela Editora Circuito, cada frase é carregada de sentido. É dividido em XI Livros, cada um deles precedido por uma citação. Os parágrafos são relativamente extensos, ao passo que apresentam frases relativamente curtas e ideias que fluem rapidamente ao menor sinal de descuido. O texto, monólogo, apresenta certa dinâmica, interação com o leitor e é direcionado a este, ao homem que lhe causou a desilusão amorosa (também chamado de "homem desconhecido"), ou ao interior da narradora. Júnia abusa da metalinguagem, usa primeiras pessoas pouco comuns (eu cri, do verbo crer, dentre outros).

O tormento amoroso que assola X. é explicado aos poucos, à medida que ela se sente à vontade para se livrar daquilo. O homem desconhecido também é referido como Y., o que torna o texto um tanto impessoal, pois além de X. e Y., há K. e Z. também. X. e Y. são citados como se formassem a estrutura dos cromossomos determinantes do gênero ou uma estrutura igualmente complexa.

A autora não tem medo de usar de secreções/eliminações corporais ou assuntos polêmicos para demonstrar o que se passa em sua mente. O texto pouco linear representa a bagunça interior da interlocutora, que sente enjoo pela ansiedade de se encontrar ou ainda, frente ao Homem desconhecido por ele ser instável (ou livre) a um ponto que ela não consegue suportar facilmente.

X. fala muito sobre si mesma e seu entendimento sobre as coisas, mas também dá um esboço da degradação da sociedade. Longe da pretensão de se identificar com a protagonista, pois nem todo leitor vai se encaixar, o objetivo é vivenciar a experiência. Poucos diálogos são percebidos e poucos "acontecimentos em si". A semelhança com a escrita de Clarice Lispector é evidente, apesar de Clarice demonstrar um caráter mais existencial e generalizado, enquanto o estopim para a escrita de Júnia é a pouca consistência da relação amorosa em questão.

A superficialidade também é abordada, e de forma semelhante à de Jennie Erdal em O Tom Ausente de Azul (saiba mais aqui): quanto menos se sabe, maiores as chances de ser feliz, o que Jennie cita como o "mau dos eruditos". Encontrei também Beauvoir e Tati Bernardi, além de estilo semelhante a outros autores.

Acaba sendo repetitiva ao falar que quer não sabe o que é e o que se tornou (temos uma prévia desta questão já no título), entretanto a autora sabe disso, se explica e deixa o leitor com mais dúvidas:

"Você deve se perguntar por que eu me repito tanto? Os analistas dizem que a mudança humana é mesmo muito lenta. Então, eu gostaria de saber duas coisas: você, que me vê de fora, acha que estou mudando?"

A autora é muitas em uma só, versátil, e um trecho em especial que refere-se ao ofício do vendedor de flores, no Livro XI, merece atenção por sua delicadeza. E o livro, a partir de uma visão ampla tem altos e baixos, e certamente o desenvolvimento do texto quando livre de quaisquer evidências de inspiração faz parte dos pontos altos.

"Não vivo, ardo"

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