07/08/2015

O Complexo de Portnoy, Philip Roth


Philip Roth, segundo a crítica, é um autor com profundidade em seu texto, que trata bastante de temas relacionados ao Judaísmo e à sociedade, e é vencedor de vários prêmios importantes (Man Booker Prize em 2011, por exemplo). Dentre seus vários títulos, talvez o polêmico best-seller "O Complexo de Portnoy" seja uma boa escolha para conhecer o autor. Talvez não.

Alexander Portnoy é o personagem principal. Aos 33 anos de idade, faz psicanálise com Dr. Spielvogel na tentativa de deixar para trás seu passado "conturbado" e seus traumas. As aspas aqui referem-se aos excessos a que o leitor é exposto, pois um pequeno diálogo pode se tornar algo terrivelmente ofensivo para Alex, que também é dotado de inteligência invejável.

O texto afiado é tão polêmico devido ao foco no comportamento sexual do personagem. Sua infância é focada no relacionamento com a mãe, Sophie Portnoy, com quem tem uma relação difícil, essencial na construção do personagem. Alguns eventos cotidianos citados neste início são cruciais e a ênfase dada sempre nos fatos causaram algum efeito negativo em Alexander. A partir de sua puberdade, Portnoy filho concentra as memórias na busca pela satisfação sexual consigo mesmo, com alguma moça, com algumas moças...

Os métodos da família Portnoy para disciplina e educação são singulares: Sophie utiliza pressão psicológica e chantagem emocional para causar sentimento de culpa; qualquer esforço por parte dos pais é manifestado como algo extremamente custoso (mesmo que não tenha sido tanto); Jack Portnoy, o pai, sustenta a família, mas tem um papel figurativo. A rigidez, basicamente, é feita a partir da mãe, e Jack apenas acompanha o curso das coisas ou espera a resolução. Muitos problemas, familiares ou não, são passados por eles, e uma insistente prisão de ventre de Jack sugere que há alta carga de estresse causada por estes problemas, já que, sem sucesso, sua alimentação é à base de fibras (fato que Roth faz questão de deixar claro).

A história se passa a partir de, aproximadamente, 1940, infância de Alex, ou seja, a Segunda Guerra Mundial, a perseguição aos judeus, a Guerra Fria e suas consequências estão, de certa forma, implícitas no contexto. A cronologia não é seguida à risca: as memórias de eventos passados e recentes se fundem como acontece com o fluxo de pensamentos de alguém contando verbalmente suas memórias, que é o que ocorre de fato, pois a narração é direcionada ao terapeuta.

Alex se tortura pelo que pensa/faz, principalmente quando tem relação com a quebra dos princípios judaicos (e quando se trata de garotas não-judias com as quais ele se envolve), o que leva a longas e constantes discussões sobre os hábitos dos judeus, às vezes satirizando-os, se irritando com determinada doutrina, ou com a pouca aceitação por parte dos gentios. Um dos parágrafos que discute isso tem 5 páginas.

Alexander analisa a "aparência de um judeu", se existem formas de reconhecê-los apenas olhando-os. A certo ponto, ele mesmo tenta impor semelhanças que "denunciem" a religião. A incerteza nesse assunto é notável em Alex, ele se faz capaz de fingir ter outro nome para parecer "menos judeu": 

"Meu nome? É Alton Peterson - um nome que encontrei no catálogo telefônico do condado de Essex - completamente goi*, e de lambuja ainda lembra Hans Christian Andersen. Genial! Às escondidas, passei o inverno praticando assinar "Alton Peterson" em folhas do meu caderno que depois arranco e queimo para que não tenha de dar nenhuma explicação a ninguém lá em casa."

O livro é provocativo também em outros aspectos envolvendo sociedade e comportamento. Indicar O Complexo de Portnoy é uma tarefa difícil, pois esta provocação tão inerente atinge um nível original e admirável, mas que pode ser confundida caso o leitor não esteja aberto à leitura. Não poupa palavrões, descreve experiências sexuais, e a narração, por sua vez, não é baixa e passa longe do erotismo. O texto é amargo e ácido, muito ácido. E exagerado num sentido positivo da palavra.

Pode-se perceber o diálogo entre analista e paciente, e sutis singularidades da Psicanálise: Portnoy faz uma pergunta ao analista, que responde e dá sequência ao diálogo com outra pergunta relacionada, então Portnoy se explica ou responde, entretanto o significado da mensagem fica por conta do leitor. Teorias de Freud são usadas para diferenciar amor de atração sexual e consequente questionamento acerca de qual dos dois Alex e uma de suas namoradas estariam inseridos, ou se haveria a possibilidade de haver ambos os sentimentos, como Freud sugeriu em um nível mais alto da aproximação. Observa-se também quando o analista faz sessões típicas: "feche os olhos e diga o acontecimento que lhe vem à cabeça". Tudo isso depreendido apenas do que Alex conta.

Na contracapa do exemplar em edição de bolso, há o seguinte questionamento: "seria 'literatura séria' ou apenas humor?" Caso houvesse uma resposta sensata para tal pergunta, seria que se trata de literatura séria escrita com humor, mas creio não haver sensatez nesta resposta também. Philip Roth lançou esta obra 1969. Mil novecentos e sessenta e nove, e ainda hoje gera discussões pela ousadia. Pode haver alguma dificuldade na leitura, pois o ritmo é mais pesado para quem ainda não leu nada do autor. Sobre ser uma boa escolha para primeiro contato com Roth: será para aqueles que estiverem receptivos. Ainda não sei se este é texto de indicação, mas mesmo que não esteja receptivo, leia.


*Goi: Palavra usada pelos judeus para quando se referem aos seguidores de outras religiões diferentes da deles.

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